(Ensaio 1 – Planejando uma viagem do zero)
Conhecer o mundo e suas peculiaridades é um daqueles propósitos de vida que aquece o coração de grande parte das pessoas, de certo porque conhecendo o tamanho da Terra a gente se lembra do tamanho de si: de quão pequenos somos no todo; do quanto os nossos ideais são criados e moldados pelo ambiente em que permanecemos – por escolha ou não – e as vezes, é bom sair de nós para nos enxergamos de maneira mais coerente.
Viajar para a Europa sempre foi um sonho meu, desde criança. Antes eu não sabia muito bem o que esse sonho significava: não tinha um país em específico, não tinha um roteiro ou uma atração especial. Era quase que uma referência só, dessas grandes: a Europa, a Eurotrip, as praias cheias de gringos, as comidas mais chiques do mundo, o berço da civilização, a história milenar desses países que se conecta num momento.
Depois que cresci, entendi que sonho para ser possível há de se tornar plano. E assim comecei: durante a graduação, enquanto realizava minhas primeiras viagens nacionais, sempre sonhei com Paris e Roma. Acho que ficou definido para mim que a Europa podia muito bem se sintetizar nesses dois lugares, no meu ideal. Cidade e civilização podem caber nas curvas da cidade luz, nas ondas da cidade água.
Estou planejando, por fim, minha primeira ida à Europa: Londres, Paris, Roma e Barcelona foram minhas escolhas. Vou encontrar com minha irmã e faremos esses países juntas, partilhando quase as mesmas experiências somadas até então: com exceção de que minha irmã sai de um voo da Austrália e eu saio de um voo do Brasil. Ela se mudou para lá no final do ano passado, depois de uma inquietude assombrosa que não se calava nunca: foi descobrir seu tamanho no mundo.
(Ensaio 2 – Antes do embarque)
Enquanto espero na sala vip do cartão pelo meu primeiro voo internacional, totalmente financiado por mim, eu divido o espaço na sala com alguns estudantes de medicina que vão fazer o módulo internacional em Portugal. Do outro lado, um empresário que vai para o Panamá.
Eu estou sozinha aqui, cheguei de metrô, peguei o ônibus translado. Gastei três horas no trajeto. Hoje é meu primeiro dia de férias remuneradas da vida. Estou indo para Londres, primeiramente. Para mim é um sonho, para eles é rotina.
(Ensaio 3 – Estou há três dias em Paris)
(ainda não me sinto pronta para publicar esse texto) e nem o próximo.
(Ensaio 5 – Roma: cidade Casa, Monte Sião expandida, calor e comida acolhedora. Estou mais feliz aqui)
Antes de ler meus outros textos sobre algumas das milhares de sensações que me tocaram durante a viagem, queria descrever como Roma veio no momento certo para alinhar as coisas: após a intensidade dos dias em Paris, repletos de expectativas de um encontro com espiritual com a cidade luz, somadas ao clima de tensão entre eu e minha irmã e quase uma certa frustração quanto à esses dias tão esperados, eu conheci Roma. O clima aqui é quente, as pessoas são mais incisivas e quase rudes, mas de certa forma te acolhem e dividem com você essa cidade plural: aqui ninguém é igual e nem tenta ser; a comunidade parece diversa de propósito. Todos sob o mesmo sol caloroso e se banhando e bebendo das mesmas águas frescas que passam pela tubulação milenar. Registros de um império poderoso, que acumulou a mais valiosa das riquezas para seu povo: a vantagem de contar a história do mundo como se quer. E embaixo de uma arquitetura histórica e belíssima, transitam milhares de pessoas todos os dias, ouvindo a história ser contada outra vez. As ruínas que nunca estão vazias, uma das maravilhas do mundo moderno que existe desde o mundo antigo, um museu a céu aberto, velho e cheirando a flores.
Devo confessar que não esperava tanto assim dessa cidade; e muito menos do que ela poderia representar nesse momento: os gritos entre família foram se calando e se tornando risada; a comida tem preço justo e finalmente fazemos todas as refeições do dia sem pensar tanto nos preços. Muitas referências de casa: entendemos o formato do jardim da praça, enfim, que é o mesmo das grandes praças daqui. Roma foi quase um abraço, que me trouxe de volta para mim, para meu propósito. Os dias passam mais devagar, o sono é mais tranquilo, as noites são fresquinhas, mas nem casaco precisa levar. E sempre uma boa surpresa depois.
Ainda não conheci a Capela Sistina. Mas tenho certeza que vou amar.
Grazie mille Roma!
(Ensaio 6 – Estou no Meio)
Olho para os dias recém passados com saudade recente, uma nostalgia fresca de memória: as noites frias em Paris, as ruas de pedra de MontMatre, povoadas de turistas. Eu e minha irmã discutindo sobre algo sem importância, caladas somente pela beleza avassaladora da vista. As luzes, os sonhos nos olhos de todos, a gentileza francesa: franca, fria, distante. Até que parece São Paulo, mas é diferente. No centro da cidade, é quase como se a população fosse composta por quem sempre quis estar ali; por isso sorri na rua, se arrisca no inglês, desconta no lanche de turista, não reclama do cheiro dos trens. Nas margens, é quase como se a população toda precisasse estar ali: um novo lugar para chamar de casa, por escolha própria ou da vida, que tirou-os da sua. Um pouco mais ou norte da lembrança, a Inglaterra e sua educação, seus dias gelados e molhados, suas belezas construídas: o mundo começou aqui. O mundo moderno, o mundo atual. As casinhas brancas dos bairros nobres, as pessoas acostumadas a ter a realeza como vizinhança. Eu e minha irmã ainda sem discussões; dividindo somente a preocupação do orçamento da viagem.
Agora em Roma: cidade menor, mais espaço no coração. O reencontro; o perdão, o amor.
(Ensaio 7 – Depois de Barcelona, para lembrar que sou gigante em mim)
Quase ao final da viagem, torcendo para não perder a próxima conexão depois de um voo atrasado. Estou olhando para Barcelona pela janela e estou no começo da noite, por volta das sete. As luzinhas da cidade já estão acesas e, de longe parecem algo tão maior e tão distante. Assim como eram meus sonhos no começo. A realidade traz um “que” passageiro quando as realizações chegam que é quase como se esquecêssemos por alguns momentos o quanto queríamos estar aqui e agora. Barcelona foi praia com vento no rosto, banho de chuva sob risada, jogos de cartas, encontro com amigos antigos, descoberta arquitetônica, passeio de bicicleta pela cidade e seus pontos turísticos. Barcelona foi a Sagrada Família escura as 05 da manhã, o sono com as pernas doloridas do pedal, o karaokê com música brasileira misturada com catalense. Barcelona foi imposição, exposição, falta de cuidado que diz que não precisa de ninguém e inclusive de mim. Ai que faz querer ficar.
A luz mais distante, o sonho se tornando poeira que passou, o agora se tornando saudade e o amanhã que pode ser tudo. Agora os sonhos serão outros. Mas quais? Agora que a faculdade foi terminada, o trabalho conquistado, o amor encontrado, a viagem feita. E agora? Quando é que a felicidade chega? E agora com o gato criado, a casa cheia, os próximos passos sendo possibilidade e agora que a lista não satisfaz a viagem não cura a meta não mais existe e agora que o mundo foi visitado mas ainda não há propósito e agora que o propósito não veio depois do encontro e agora que não tem encontro mágico e agora que o silêncio vem se aproximando novamente eu quero saber quando é que a felicidade chega e fica e não vai.
(Ensaio 8 e último – A vida também é uma viagem?)
Estou no meu último dia dessa viagem, acabei de desembarcar em Londres depois de ter o voo adiado por algumas horas na noite passada. Nas últimas horas de viagem evidenciando o fim, que já é um fato, e pensando sobre o quanto eu queria que o tempo congelasse as vezes e que eu pudesse viver essa viagem em looping. Eu sei que aproveitei cada segundo como pude da melhor forma e que eles foram preciosos e vão durar para sempre em meu coração. Mas o gostinho de quero mais ainda ficou; então eu penso se a vida não é isso também: um acumulado de experiências que estamos tentando aproveitar ao máximo e que passam tão rapidinho! E assim como agora, eu também queria viver para sempre; só por diversão, para ver no que dá, descobrir quem vem no futuro, quais decisões serão tomadas, qual o rumo da gente como sociedade e do mundo de maneira independente. Queria viver para sempre e revisitar todos os lugares do mundo que já visitei pelo prazer da análise, para sentir se o cheiro da flor continua igual ou se o chão endureceu; para ver de perto as obras concluídas, as restaurações finalizadas e ver as pessoas estando nesse lugar pela primeira vez: magia. É quase magia mesmo, estar num lugar tão pensado, tão idealizado. É quase como se a gente já conhecesse. E é quase como voltar; mas voltar de fato é impossível: jamais voltamos para lugar nenhum. Isso porque não podemos voltar nem para nós.
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