O domingo pode ser ensolarado em São Paulo, assim como pode ser chuvoso em Roma. E nenhum desses dois eventos devem definir algo mais que não o clima, o externo. O interno é passível de mudança, de definição, de passagem. E as passagens podem ser muito, tudo, pouco ou nada; simultaneamente ou de maneira individual.
Eu acordo mais um domingo, as pernas se esticam para fora da cama na intenção de esticar também a vida. Estou respirando de novo, ainda. Tenho tempo para testar. Pintura, artesanato, costura ou marcenaria? As vezes é bom morar numa megalópole e enfrentar a saudade de casa, a identificação no desconhecido, a solidão nos sorrisos sem rostos e o acolhimento nos rostos sem sorrisos. Um, dois, três passos e estou no bar da esquina tomando um suco de açaí. Eu conheço o dono, o baiano, de nome e apelido. Ele me conhece de vista e tem dias que vai com minha cara, tem dias que não. E não faz questão de disfarçar.
Foi decidido, hoje vou testar algo novo, inédito, nunca feito antes e que eu também posso me permitir errar no processo; visto que é totalmente desconhecido. Aceno para o baiano e ele retribui. Me despeço e vou em busca daquilo. Hoje vou tentar não pisar no chão amarelo. Não quero mais pisar no amarelo, eu cansei de quantas vezes já pisei, já passei e senti tudo que o amarelo me provoca e por isso, hoje eu acordei e decidi: só vou pisar no chão verde. Terei de lidar com as muitas ausências que o amarelo me trará, mas entendo que o bônus de não pisar é maior e melhor que o ônus que carregaria de pisasse.
Eu nem poderia, de fato, continuar pisando no amarelo. Devo querer pisar mais no verde um dia. Todas as vezes em que vi o amor, por bem, tinha pisado no amarelo; isso não posso negar. Mas devo encontrar também o amor pisando no verde. Toda vez que pisei no amarelo também me senti vulnerável, perdida, longe de razões. O verde me parece mais certo. O amarelo me tirou da tranquilidade e, tirou tanto, que nem me lembro como era tranquila minha vida antes dele. Foram tantos anos pisando, né? Acredito que seja justo esquecer do antes. Se é que houve. Pensando bem, acho que o amarelo sempre esteve aqui; até hoje. Hoje o amarelo sai. A dúvida acaba, a covardia há de cessar e eu vou provar toda a coragem que o chão verde vai me vestir. Inteira, completa, vou tomar até a última gota, sedenta. Não vejo a hora de começar a pisar no chão verde. Vai ser agora, virando a esquina, vendo meu prédio e sua calçada frontal amarela.
Me afasto, olho para o outro lado. Hoje meu dia vai ser verde.
Deixe um comentário