Coçando o rosto como quem tirasse a máscara de anos, levanto cansada mais um dia e olho para o espelho, figura contradita algumas vezes, mas sem sentido realmente importante. O dia está cheio, o trem está cheio, a vida está cheia, o colo está cheio: de letras, números e fórmulas que só existem numa derivada de importância infinitamente humana e inventada. No futuro, olhar para todo o minucioso trabalho realizado no hoje pode parecer inútil. As palavras, por sua vez, parecem fazer mais sentido: no agora e no futuro. Ir ou não no médico, deixando trabalho na mesa? Ir ou não à reunião, abdicando mais uma vez aos planos pessoais organizados em pequena escala? E de repente, uma pequena questão se torna novamente grande para mim. Há homens que vivem pequenas questões de forma mais doída, sentindo mais à fundo suas consequências que outros: homens que estão a olhar somente para um curto horizonte de tempo e que presumem que a vida é eterna, ou se poupam a pensar nisso. Para os mais esclarecidos, que sabem que acordar amanhã vivo é possível ao mesmo tempo que não e que perceberam que o sol se põe todos os dias, mas de maneira distinta, a vida assume um outro tom, mais simples, menos material e menos concreto. Quisera eu, em algum momento, viver de vida e de passagens: mas só quem tem alma há de me entender agora, a pressão é substancial, mas onipresente; o mundo sabe o que espera de você, enquanto você descobre seus desejos ao longo do caminho do nada e, na metade, olhar para trás pode trazer a sensação de tanto percorrido, ao mesmo tempo em que olhar para frente traz o vazio das possibilidades, que serão, em sua maioria, descartadas. A realidade existe como quer, nós existimos como conseguimos. Sob uma linha tênue de escolhas traçadas por nós e a confusão de orbitar nossos corpos, vazios, repletos de alma, quase que esconderijo da força maior do mundo; e disfarçado de futilidades.
Dia ordinário, vida infinita
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